A Agência Nacional de Mineração (ANM) participou na última semana de reunião preparatória para criação da Coalizão Global para Ação sobre a Mineração Artesanal e em Pequena Escala de Ouro (ASGM, na sigla em inglês), sendo representada pelo diretor-geral Mauro Sousa. Pela primeira vez, governos nacionais, Banco Mundial, Conselho Mundial do Ouro (World Gold Council), empresas privadas e representantes da sociedade civil decidiram se unir em uma ação coordenada para enfrentar de forma sistêmica os desafios e oportunidades do setor de mineração artesanal.
A nova Coalizão tem estrutura intergovernamental multissetorial, com base técnica e articulação política. A ANM irá integrar o Conselho Diretor global que definirá as diretrizes e os critérios de adesão e atuação. A proposta é que países como o Brasil possam integrar formalmente essa aliança, com o objetivo de elevar os padrões regulatórios e combater a fragmentação das normas internacionais sobre ouro, hoje aproveitada por redes criminosas e operações especulativas. Atualmente, milhões de pessoas no mundo dependem direta ou indiretamente da mineração artesanal e em pequena escala e muitas vezes em condições precárias, com riscos à saúde, ao meio ambiente e aos direitos humanos.
Responsável por cerca de 20% do ouro produzido globalmente, a ASGM opera majoritariamente fora de marcos legais e regulatórios, o que acaba abrindo brecha para violações ambientais, uso extensivo de mercúrio, exploração de trabalhadores, evasão fiscal, e uma conexão crescente com o crime organizado e redes de lavagem de dinheiro. "Não se trata apenas de regularizar o garimpo. Trata-se de construir caminhos para a dignidade, para a saúde pública e para a proteção da biodiversidade. O Brasil tem um papel decisivo nessa agenda e a ANM está pronta para contribuir com uma regulação técnica, equilibrada e integrada com outras áreas de governo", afirmou Mauro Sousa, diretor-geral da ANM.
A ASGM é um setor que é uma das últimas fronteiras de subsistência de milhares de famílias em territórios periféricos, mas também é um dos mais penetrados por redes de ilegalidade. E essa ambivalência exige um novo tipo de cooperação internacional, que articule regularização com desenvolvimento local, fiscalização com educação ambiental, e governança com inovação financeira. A Coalizão Global se inspira na Iniciativa de Parceria Multissetorial (MSPI), desenvolvida pelo Banco Mundial e pelo Conselho Mundial do Ouro. A proposta é promover ações piloto em países-chave, articular o financiamento internacional, fortalecer a rastreabilidade do ouro e integrar pequenas operações produtivas às cadeias globais legais, respeitando o meio ambiente e os direitos das comunidades.
Segundo o Conselho Mundial do Ouro, mais de 80% da produção de ouro da ASGM no mundo não passa por canais formais e a entrada da ANM no debate internacional é uma oportunidade para propor soluções regulatórias que assegurem rastreabilidade, transparência e segurança jurídica para mineradores e compradores. Um dos impactos positivos da coalizão será a redução do uso de mercúrio na mineração. A ASGM é responsável por boa parte das emissões globais desse metal tóxico. O mercúrio é utilizado de forma rudimentar para separar o ouro do cascalho e água, contaminando rios, peixes, trabalhadores e populações ribeirinhas. A introdução de tecnologias limpas, o acesso a financiamento e a assistência técnica para mineradores formais permitirão avançar no cumprimento da Convenção de Minamata e gerar um ciclo virtuoso de saúde e sustentação ambiental nos territórios mineradores.
Nos últimos anos, o Brasil adotou uma série de medidas regulatórias para combater a mineração ilegal e tornar mais rígido o controle da cadeia do ouro. A crise humanitária Yanomami impulsionou medidas, incluindo a exigência de Nota Fiscal Eletrônica para transações com ouro e o fim da presunção de boa-fé na comprovação da origem do metal, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal. A ANM, em conjunto com o Banco Central, estabeleceu normas de controle financeiro e publicou a Resolução nº 129/2023, que obriga o setor a adotar políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLD/FTP). A Receita Federal intensificou a fiscalização no aeroporto de Guarulhos, resultando na retenção de cargas de ouro de Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) sem comprovação adequada de origem. Essas ações integradas também têm repercussão nas estatísticas oficiais: segundo o Instituto Escolhas, a produção declarada de ouro caiu 84% após o início das medidas. A alta cotação internacional do ouro (acima de US$ 3.500 a onça) segue alimentando a produção clandestina, com estimativas de que 80% do ouro atualmente comercializado no país esteja fora do controle estatal.
Investigações apontam ainda a infiltração do crime organizado no setor, denominado "narco garimpo", com atuação de facções como o PCC, que utiliza o ouro como moeda de troca por armas e drogas, desviando o metal por rotas ilegais, sem recolhimento de tributos como a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e Imposto de Renda (IR). Para retomar o controle do mercado formal, cooperativas e instituições financeiras brigam pela criação de um sistema estatal de rastreabilidade, que possibilite a conquista da credibilidade internacional, aumente a eficiência da fiscalização e promova a sustentabilidade da cadeia produtiva.
Entre recomendações da ANM a formalização da mineração artesanal e de pequena escala, implementação obrigatória de mecanismos robustos de rastreabilidade, além do fortalecimento de políticas socioambientais voltadas à redução do uso de mercúrio e à adoção de práticas responsáveis. O Brasil é visto como um país-chave para o sucesso da Coalizão Global e a participação ativa da ANM, com suporte do governo federal, é essencial para estruturar uma Coalizão Nacional que possa servir de modelo a outros países do Sul Global. "A coalizão é uma oportunidade histórica para o Brasil liderar um novo paradigma para a pequena mineração: produtiva, formalizada, com respeito ao meio ambiente e às comunidades. A ANM está comprometida em colocar seu conhecimento técnico a serviço dessa transformação", destaca Mauro.